Wednesday, April 7, 2010

Encontrar a saída

Encontrar a saída

(Uma história indiana)


Tenho um bom amigo. Quando lhe digo de vez em quando, onde me levam os meus deveres, sabe sempre de imediato, onde fica a cidade. E habitualmente sugere-me uma atracção local. Das cinco possibilidades pacíficas de conhecer o mundo (ciência, literatura, diplomacia, jornalismo e desporto), é o desporto que o ajuda a ele e as ciência e literatura a mim. Quando me preparava para a conferência internacional em Luckonw (muita gente, incluindo eu próprio, nem sequer sabia que existia, concretamente na Índia), o meu amigo Pavol chamou a minha atenção para uma construção extraordinária. Um labirinto que deveria ver. Felizmente, os organizadores da conferência científica internacional eram da mesma opinião. Um guia turístico profissional levou-nos ao labirinto de Lucknow. Era um idiota sem igual. No início da nossa visita disse que iria demonstar-nos que Lucknow era a Paris do Oriente. Para o provar decidiu arrastar-nos pela cidade num autocarro, que provavelmente viveu a mobilização durante a primeira guerra mundial, mostrando-nos num calor insuportável a cidade destruída e cheia de sujidade e monumentos, incluindo os canais de esgoto, que só se poderiam parecerer com algum lugar de Paris na fantasia dele. Este homem, de alguns quarenta anos, cheio de energia, sofria de um interessante tipo de cegueira, que eu já tinha notado na Rússia. É o instinto de preservação das pessoas que estão condenadas a passar a vida toda imersas na porcaria até ao pescoço e para preservarem a elementar dignidade humana (sabendo que não têm maneira de lhe escapar) querem convencer os outros e a si próprios, que se não for mais, pelo menos a porcaria cheira bem. A propósito, o nosso guia tinha um emblema russo na lapela e é bem possível que turistas russos tenham apreciado as suas palavras bombásticas. Estão habituados com elas na terra deles. Mas eu já estava farto daquilo. Por isso, aproveitei a primeira ocasião para fugir daquela atenção que eu não desejava. A ocasião só surgiu dentro do labirinto de Lucknow. O labirinto de Lucknow é realmente uma construção extraordinária. Também pelo facto de não ficar debaixo da terra, mas sim nos segundo e terceiro andares de uma mesquita. É, porém, muito simples, transparente e rectilíneo. Os seus corredores rodeam a sala principal da mesquita e têm janelas que dão para a sala bem como para fora do edifício. A única coisa que pode causar confusão é o inclinamento horizontal dos corredores, por isso é preciso de vez em quando subir algumas escadas acima do nível do corredor e depois descer de novo. Tinha a impressão, que as piadas do guia sobre o guia anterior que se tinha perdido aqui, já ultrapassavam todos os limites suportáveis. Deixei o grupo todo afastar-se de mim e virei para o corredor diagonal mais próximo. Finalmente sozinho! Por um momento senti um grande alívio. A voz estridente, que parecia sair de um alto-falante, do guia turístico desapareceu atrás da esquina. Finalmente podia andar livremente, olhar pelas janelas ocasionais, tentar diferentes trajectos, pensar nas minhas coisas e – perder-me. Quando dei conta que me tinha perdido, não fiquei nada preocupado. Supunha que o labirinto fosse tão pequeno que bastaria andar e assim chegaria a uma das saídas. Todavia quanto mais distância percorrida mais certeza tinha que não havia saídas, senão aquela pela qual tínhamos entrado (e que tinha desaparecido do mapa na minha cabeça). Havia só escadas que ligavam os andares do labirinto. Subi as escadas e de repente estava no telhado liso e vazio da mesquita com a interessante vista do pôr-do-sol sobre a pouco atraente Paris do Oriente. Fiquei, porém, muito mais admirado com a cena em baixo, num quintal sujo atrás da mesquita. Num lugar que já não era destinado a deslumbrar os turistas ficava uma barraca e montes de lixo. Em frente da barraca notei uma mulher vestida de preto e crianças a brincar no lixo. A mulher observava em silêncio a brincadeira das crianças com a coragem fatalista que se pode encontrar para além da Índia também na acima mencionada Rússia. E provavelmente por todo o lado onde a pobreza fica demasiado perto, a tocar a visão inatingível de uma vida digna. Eram crianças barulhentas, alegres e despreocupadas como todas as crianças do mundo. Mas a brincadeira deles tinha uma estranha consistência. As crianças que à primeira vista pareciam vivas e despreocupadas, empenhadas nos seus jogos nunca saíram do círculo invisível e também impossível de transgredir. A sua desobediência infantil continha a disciplina, assustadora e impossível de transgredir, dos limites das suas possibilidades que subconscientemente sentiam. Cheias de energia, esperança, autoconsciência não experimentada, entravam no labirinto dos corredores sem saídas, como eu no labirinto acima deles. Senti a sua proximidade, quase a intimidade física, como se eu fosse uma das crianças. Foi também devido ao facto de como eles estar descalço no terraço. Não se pode entrar na mesquita e no labirinto com sapatos. Por isso deixei os sapatos e as peúgas lá fora e agora com os pés na poeira até os tornozelos senti-me incerto e desagradavelmente nu. Ocorreu-me também que com a noite fria a aproximar-se já não viriam mais grupos de turistas. E aquele idiota do guia podia não notar a minha ausência pelo menos até à manhã do dia seguinte. Éramos um grupo grande de cientistas e não nos conheciamos bem, o que me levou a admitir que durante algumas doze horas ninguém iria sentir a minha falta. Por um momento, imaginei que por alguma razão absurda nunca mais saísse do labirinto e só pudesse descer para ficar com a mulher e as crianças. Ficaria para sempre neste labirinto de pobreza sem saída. Esta imagem avivou-se mais, porque apenas tinha começado a gozar a sensação de pertencer a outro mundo, ao mundo da suficiência. Há poucos anos nós, os habitantes da Europa Central, encontrávamo-nos cercados pelos arames das fronteiras, considerávamo-nos prisoneiros do desespero. Um beco sem saída, derivado do russo fatal. Andávamos perdidos no nosso labirinto socialista, convencidos que nós é que éramos os pobres deste mundo. Agora tinha a possibilidade de ver os verdadeiros pobres. Lá em baixo podia ver a cruel banalidade da vida, enquanto eu, no telhado do labirinto de Lucknow, estava a viver uma emoção temporária, apenas hipoteticamente assustadora que, passado algum tempo, ficaria na grande caixa das divertidas histórias das viagens que sempre têm um final feliz. Não consegui olhar durante muito tempo para esse lixo com seres humanos, os quais, ao contrário de mim, não tinham escolhido a aventura no labirinto sem saída. Rapidamente subi as escadas para voltar ao labirinto, desta vez determinado a encontrar a saída. Passados alguns minutos ajudaram-me as vozes despreocupadas, uma delas sendo sem dúvida o alto-falante do noso guia. Logo depois vi o nosso grupo num dos corredores compridos a descer pela escada principal para sair da mesquita. Juntei-me a eles com muito prazer.



Transl. by Jana Marceliová

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